Situada no passo montanhoso que integra um dos mais importantes corredores de ligação entre a península itálica e a Europa ao norte dos Alpes, Trento tem origens muito antigas, e foi sucessivamente ocupada por vários povos pré-romanos. No séc. I a.C. foi conquistada pelos romanos, transformada em acampamento militar, e depois urbanizada, ganhando aqueduto, fórum, termas, e arena, chegando a ser qualificada pelo imperador Claudius, no séc. I d.C., como uma “esplêndida cidade”. No período de apogeu do Império, ao redor do séc. III, tinha uma planta praticamente quadrada, com 3 lados protegidos por muralhas, e o quarto sobre a margem esquerda do rio Adige.
Com a cristianização, tornou-se sede de um importante bispado, que passou pelo domínio de vários povos durante a Alta Idade Média. No início do séc. XI recebeu o status de Principado Episcopal, o que lhe garantiu uma relativa independência, por praticamente 8 séculos, até ser integrada ao império de Napoleão no início do século XIX. A partir da Restauração em 1815, o antigo Principado passou a fazer parte do Império Austríaco e depois do Império Austro-húngaro, tornando-se parte da Itália ao final da Primeira Guerra Mundial.
Para os genealogistas, Trento tem um significado muito especial: a Igreja Católica, profundamente abalada pelo movimento iniciado por Lutero a partir de 1517, decidiu, em meados do séc. XVI, organizar um Concílio. Reunido em períodos de tempo irregulares (e com parte do tempo em Bolonha), no intervalo de 1545 a 1563, o Concílio Ecumênico de Trento, o 19º concílio da história, modificou radicalmente a Igreja como instituição.
Naturalmente foram mantidos os pilares da crença, mas foram ajustados alguns pontos da doutrina, da interpretação da Bíblia, dos sacramentos, e, particularmente quase todos os aspectos, digamos, “operacionais” foram rigorosamente regulamentados. Desde a formação educacional dos padres, passando pelo aspecto físico da construção e decoração das igrejas, a organização administrativa, a disciplina rigorosa da vida da paróquias, as polêmicas indulgências, a música, e muitos outros temas passaram a operar por novas regras.
Desde pelo menos o século XIII, em vários locais da Europa, algumas paróquias, por decisão própria, mantinham registros escritos de alguns eventos ocorridos que eram significativos seja para a instituição seja para os fiéis. Para nós o interessante é que o Concílio de Trento tornou obrigatória a utilização de livros para o registro de batismos e matrimônios. (Nota: os livros de registros de crisma, morte e o “estado das almas” – espécie de recenseamento dos fiéis – só foram criados num outro contexto, em 1614). Os livros de batismo, matrimônio e morte continuam essencialmente iguais até hoje.
Trento é uma das minhas cidades favoritas na Itália. O contexto da paisagem, as magníficas igrejas – particularmente o Duomo (Cattedrale di San Vigilio) e a Basilica di Santa Maria Maggiore, as duas com escavações arqueológicas visitáveis –, o magnífico Castello del Buonconsiglio (enorme residência dos poderosos bispos, hoje museu), o Museo Diocesano, o Spazio Archeologico Sotterraneo (com ruas, casas, mosaicos, poço, etc.) são absolutamente imperdíveis para quem tem interesse em história e em genealogia.
Imagem 1 – Visão geral de Trento, a partir da estação do teleférico.
Imagem 2 – Piazza Duomo, no centro de Trento – Como em muitas cidades italianas, a Piazza del Duomo é o coração de Trento. Como por séculos Trento um Principado Episcopal, ou seja, tinha por governante um Príncipe-Bispo, as funções administrativas e religiosas eram profundamente integradas. Como se vê na foto, a catedral (construção maior, com o teto cinza) é diretamente ligada ao “Palazzo Pretorio” (sede da administração municipal), e a outros imóveis de uso oficial. Parte do conjunto é hoje ocupada pelo belíssimo Museu Diocesano. (imagem: www.discovertrento.it)
Imagem 3 – A imponente nave central do Duomo de Trento, construído essencialmente no séc. XIII. Na primeira vez que entrei, não teve escape … sentei num banco da última fila e chorei de emoção.
Imagem 4 – Nave lateral esquerda do Duomo. Notar a longa escada semi-embutida na parede externa. Também na parede externa da nave direita há uma similar. Cada uma leva apenas à parte alta da respectiva torre frontal; das duas torres originalmente previstas, apenas uma foi concluída, e nela estão os sinos. Não é conhecida nenhuma outra igreja que tenha esse tipo de escada.
Imagem 5 e 6 – Par de blocos esculpidos, do séc. XII, incrustados na parede do Duomo, ilustrando a lapidação de Santo Estevão. Segundo a Bíblia, o jovem Estevão, contemporâneo de Jesus, converteu-se ao Cristianismo, foi levado a julgamento, condenado e apedrejado até a morte. Da direita para a esquerda, no primeiro bloco vê-se o funcionário indicando sua condenação, uma pessoa apedrejando Estevão, e este ajoelhado vendo a mão de Deus; no segundo bloco, três pessoas da multidão apedrejando-o. Na Idade Média, muito pouca gente sabia ler. Nas igrejas, as esculturas, pinturas e vitrais eram usados como base para os padres contarem as histórias, em geral da Bíblia, para ajudar na formação espiritual dos fiéis.
Imagem 7 – Museu Diocesano de Trento, quadros retratando o Concílio em reunião no Duomo.
Imagem 8 – Museu Diocesano de Trento, quadro retratando o Concílio em reunião na igreja de Santa Maria Maggiore, na própria cidade.
Imagem 9 – Castello del Buonconsiglio – Inicialmente uma fortaleza construída no séc. XIII, foi ganhando adições e melhorias, passando a ter função não só de defesa, mas também de demonstração de força e riqueza. Uma dessas adições, o Magno Palazzo, é considerada uma das mais belas residências renascimentais da Itália.